Estrela no Vazio Entupido

de médico e louco, todo mundo...

Cada louco com sua mania e é louco se reconhecendo. Tava eu no PAM - Pronto Atendimento - sessão de Raio X. Estranho! as pessoas que atendem lá não usam roupa branca. São gente "normal", sei lá... Sei que tava sentada, com um livro na mão, quando ela disse alguma coisa que eu nem entendi mas respondi "é" e sorri. Um sorriso é uma pequena chave. Ela continuou:
- Ta lendo é? ministério da cultura...Se fosse minha irmã tava lendo o Código Civil.
Comecei a ficar atenta ao que ela dizia. Tinha também um velho que falava sem parar do outro lado da sala, aquele papo saudoso de idoso, e a sala era pequena, todo mundo ouvia qualquer sussurro.
- Veio do que? Circular?
- Carona com meu pai...mas depois vou voltar de circular.
- Eu também vim com o pai... Tô acostumada a andar com o pai. Sou o peso pesado da família. Eu pesava 110 quilos, mas agora to com 80. Falei pro pastor que agora vou pedir pra Deus pra parar de emagrecer, já ta bom assim.
- Eita! o que você fez pra emagrecer tanto assim?
O médico trocou ou diminuiu os remédios que ela tomava pra epilepsia. Imagino que ela deve ter um monte de remédio, também confessou que já tomou todos de uma única vez...
Quando falava do Dr. X usava um tom manso, cantado, como quem busca um colo. Sabia que pra qualquer coisa que ela sentia teria um remédio. Entendi tanta coisa ali... dependência da doença, o poder que os médicos tem na vida das pessoas vulneráveis como ela. "Conheço isso aqui de olho fechado". Patricia, o nome dela, quando perguntei ela disse empolgada e me estendeu a mão num gesto charmoso "prazer!!"
Ela já foi mandada pro CAPS, já aceitou ser internada pra que não chamassem o bombeiro ou a polícia e o Samu, " esses não aguentam mais ver a minha cara" - imagino que ela já saiba o que é sair de casa amarrada...Falava de tanta coisa, mas principalmente que tudo que ela precisa (e o mundo inteiro) é de amor. Sabe como ela se diverte? Jogando truco na internet. Lá ela conhece pessoas e consegue conversar com o sexo oposto. Aprendeu olhando a irmã jogar, e as vezes passa o MSN pros caras que parecem legais e imagino que deve conversar mil coisas, a ponto da pessoa do outro lado  mandar uma dessas pra Patricia "você é louca" e sumir no mapa. Tudo que ela precisa é de umas carícias, um abraço quente, um ombro pra encostar. Quem não precisa disso? é todo mundo louco mesmo.  Tá com 25 anos e cuida da casa. Antes de entrar eu escutei ela falando: "não tô com pressa não. A minha roupa ta toda lá pra lavar, meu feijão pra cozinhar". Sarcástica. Falava pra quem será? Ela disse  que perto dos homens ela trava, não consegue falar. "sabe quando você tem tanta coisa pra falar que não sai nada, fica tudo aqui ó" - e apontou a garganta. Logo ela que gosta tanto de falar! Fomos juntas de volta pra casa.. Assim que ela entrou no ônibus puxou conversa com uma senhora que sentava no banco de trás.
Contou também que vai voltar a estudar, ia fazer EJA, igual ao pai dela  que perdeu os dedos numa serra circular e voltou a estudar aos 59 anos - "O pai ia fazer o quê? Acha que ele foi burro por voltar a estudar? Ele ia fazer o que sem mão?" E todo mundo toma remédio na família, pra alguma coisa psicológica, "ou morre de câncer".
-11 do 11 de 2011. É o dia que a gente vem buscar o exame.Olha só! é o fim do mundo mesmo!
É Patricia, é o fim, um dia isso vai acabar. Vai que do nada começa a chover flores cheirosas e do céus descem anjos embriagados e bailarinos, todos nus. E a gente também, as vestes arrancadas, a vergonha roubada para sempre e entramos na ciranda celestial pro infinito.

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