Estrela no Vazio Entupido

de um céu cinza e das poças amareladas que ainda vou cruzar

tem dias que as pessoas me incomodam. dias em que a presença de outros seres me condena, me reprime. tem dias que eu tenho medo do mundo e do futuro.
saí de casa armada. uma ponta acesa na chuva e muitas dores.  conclusões precipitadas e outras nem tanto. eu estava pronta a desprezar qualquer olhar. estou ficando feia. uma carcaça me envolve e me endurece. estou ficando cansada as seis da tarde.
saí, com meu guarda chuva de balas aberto, assim, todo furado das bombas que ele já tem levado. hoje não estava tão frio. mas aquele lugar ainda assim é sombrio e cinza demais no que me diz respeito. eu mesma sou falsamente sóbria e algo me sobra como eu nem imagino. os medos atormentam mas os monstros ainda são moinhos de vento e eu urjo! quase uivo! acho que ainda cabe meus tormentos. eu só fico imaginando se é preciso mesmo me salvar.

Auto-Escola

- Quer um conselho de amigo: abaixa a bolo um pouquinho. Esquece que você faz parte de faculdade e aquelas coisa toda. Faz de conta que aqui você entrou em um outro mundo. Aqui é você não conhece nada.
Abre tua mente, foi o que me disse o professor da auto-escola.
Dizem que gente do signo de aquário tem problemas com regras, normas, hierarquia e que tem manias de saber de tudo e por isso correm o risco de se tornarem excessivamente egoístas e arrogantes. Pois é...já faz um tempo que eu to tentando tirar minha carteira de motorista. Depois de tantas caronas na vida e desse tempo de aula, eu vejo o carro como uma pequena casa. Um canto. Um lugar fechado a quatro paredes que se locomove pelo espaço e que dentro dele você e os demais estão parados, então o  tempo que se passa ali dentro é um tempo de espera enquanto não se chega ao objetivo, e esse tempo, - apesar da concentração que se deve ter no trânsito e no mundo externo ao carro que tem um tempo muito mais rápido, alias, tem vários tempos e fluxos de movimentos intercalados- ainda é um tempo vazio. Ele tá  para ser ocupado por pensamentos e principalmente com interação, diálogos entre as pessoas que estão habitando o auto-móvel naquele instante. Assim  a proximidade das pessoas naquele curto espaço de tempo de cinquenta minutos de aula pode ser grande, porque o espaço é pequeno e de algum modo isolado para as pessoas que estão dentro dele, facilita a intimidade. E eu tenho um instrutor que é no mínimo excêntrico.
Um instrutor, no caso, é uma pessoa que recebe uma grana pra fazer você aprender a obedecer as normas de trânsito. Ele passa mais de oito horas trafegando pela cidade e enquanto isso vai tentando conhecer seus alunos, conversando amigavelmente, fazendo piadas (sem graça) pra que a pessoa não fique nervosa. E quando ele fica nervoso (o que não é tão difícil) ele cantarola as  músicas sertanejas que ouve pelo rádio ou desvia a atenção para um pássaro que voa, ou qualquer outra coisa que estiver pelo caminho que sirva pra desviar a conversa da coisa neurótica que ela pode se transformar.
No começo a gente foi se conhecendo, perguntava sobre com quem eu moro e ele também falou de sua família, descobrimos que os pai dele já trabalhou com um tio meu. Isso dava segurança, pois se eu duvidasse da integridade dele poderia perguntar pra esse tio quem é o tal instrutor. Acho que ele ficou animado com essa possibilidade, com esse elemento de  "confiabilidade" que ele encontrou. Também já conversamos sobre os gostos e modo de vida. Ele já foi um velho divorciado,  que andava pelas festas da cidade, até mesmo nas casas de rock, mas hoje ta casado, diz que é católico (guarda feriados) e a sua mulher já veio com dois filhos na mala. Fazia algumas piadinhas sobre meu modo de dirigir "mas você tem o pézinho pesado heim" que merda! Aquilo me acelerava o sangue, é péssimo quando alguém tenta persuadir uma opinião ruim com uma brincadeirinha jocosa. Isso deixava a coisa muito mais pesada. Fora as piadas machista, claro, não podia faltar. "deixa passar a loirinha, se fosse um macho a gente não deixava não",  isso nem me incomoda tanto, eu pensava "pobrezinho, ainda com essa mentezinha do século passado e se achando engraçado, ou no minimo simpático." Comecei a achar que ele era um fanfarrão, que nem sabia direito o que estava fazendo. Além disso, ele não me deixava errar pra aprender, ele enfiava a mão no volante pra concertar o erro antes mesmo de eu perceber que tinha errado. discutimos sobre isso e ele falou que no "transito não tem tempo pro erro, se errar já era, você está conduzindo uma coisa que pode matar". Tudo bem eu pesava, mas aqui estamos "aprendendo", assim como você tem o seu jeito de ensinar eu tenho o meu de aprender",e ele retrucou que não, o jeito de ensinar é um só que eles aprendem em cursos por ai, que os psicologos falam de tal coisa, mas ele nunca me explicou esse jeito. Alias ele não explica nada. O jeito dele falar é meio ansioso, as vezes fala como uma pessoa que esta numa caminhada acelerada, sabe assim faltando folego e comendo as palavras. As vezes ele respirava e começava de novo a mesma história que não explicava as origens das coisas mas sim queria me fazer decorar o modo operandi do equipamento. Eu não funciono desse jeito, eu só funciono do meu jeito. Comecei a ficar descrente da sua capacidade de me ensinar. Medo, obediência e respeito começaram a se confundir na minha cabeça. Surgiu a arrogância. Os comandos dados não eram obedecidos no ato e eu errava a vontade. nem troco olhares com ele, nada de pedir confirmação. Fiquei só errando até agora. E ele estava agora me ensinando. Acabei aprendendo sim, mas foi mais sobre humildade. Aprender qualquer coisa começa em saber que eu não sei e assumir que alguém sabe mais  do que eu sobre aquela coisa. Ser humilde é entender que você precisa precisa do outro, precisa que este outro te guie por um caminho desconhecido. Eu comecei a enxergar essa falta de "humildade" em mim quando errei e pra todo erro começava a ter um motivo, no fundo tava querendo ter sempre razão. Mesmo assumindo o erro eu procurava achar um culpado que não era eu mesma.  Não adianta! isso é arrogância, porque com isso tô querendo dizer que eu não erro nunca, só erro porque outra pessoa me fez acreditar em algo que me confundiu. Pra mim isso acontece quando a gente julga o outro, condena sua potencia como ser por aquilo que ele nos mostra, um julgamento que acontece pelas condições que a gente mesmo monta. Teve um dia que eu levei um CD pra ouvir durante as aulas. Eu tava cansada daquele sertanejo nojento da radio. Esse dia foi foda! Eu dizia "amplie seus horizontes! Além de ser uma aluna muito simpática eu ainda trouxe coisa nova pra você conhecer! te apresento um novo mundo" ele retrucava "eu já abri  meus horizontes já faz tempo...já, já gostei de rock, de MPB, de axé, de dance, já gostei de sertanejo.. blá bla blá...agora musica pra mim tem a ver com meu humor, quando eu to bravo, eu escuto musca de bravo; quando eu to manso musica de manso; quando eu to com dor de corno eu escuto um sertanejo ..mas isso daí que você ouve é o quê? musica de quê?" e gargalhava ao meu lado.
- Gente de teatro gosta assim de musica experimental, eu falei
- Experimental é!...isso dai é música de gente que gosta de ficar viajando, fumando unzinho, isso que é!
- Também, eu disse.
- Ah essas musiquinhas aí são boas pra dormir. Desse  jeito eu vou cochilar por aqui, ele falava enquanto bocejava, muitas vezes. Outras vezes exclamava "oh um sambinha dos anos 30, esse é bom!" e assim foi, nossa aula atormentando seus ouvidos com uma realidade que ele nunca se deparou "ai ai...é cada coisa que me aparece" ele dizia entre gargalhadas e eu desconcentrada pois tinha provocado o professor que agora nem tava me dando aula, tava era tirando do meu estilo, meu gosto e pior ainda: eu respondia.
Depois disso ele mudou comigo, alguma coisa na vida dele ficou diferente. Agora a gente não conversa mais sobre nós mesmo, e tem pouca ou quase nada de brincadeirinha com a minha pessoa. Sei lá se foi por causa dessa provocação com as músicas, era um CD cheio de musica esquizita, de outros países, incomoda um pouco pra quem nunca foi atras disso. Ou então essa mudança é  por causa da tensão que ta rolando nessas aulas, as tais balizas e estacionamento. Foda! e o que deixa a coisa pior é que eles querem fazer você passar na tal da prova e nada além disso. Pra isso você tem que decorar o esquema: "passa a primeira estaca, olhe a direita, passa as três olhe no retrovisor do meio" não tem qualquer apoio lógico nessas instruções, você apenas deve fazer o que ele tá falando e se dar bem na prova. E eu fico puta com isso! O objetivo nem é você aprender dirigir mas sim fazer você obedecer as leis dos caras que avaliam, os caras do Detran, ou melhor, os representantes do Estado que controlam a conduta de quem quer ir e vir pelo espaço. Esses são os superiores dos instrutores e eles tem metas a cumprir, um numero x de alunos deve passar nos exames mesmo com todas as frescuras dos avaliadores, caso não atinjam esse numero de aprovados quem sofre as consequências é a empresa da auto-escola, ou seja, o patrão, o que causa uma dupla pressão na cabeça do instrutor- estado e mercado! sempre eles. Uma merda! o jogo tá em todo lugar! esse esquema é totalmente brasileiro e abre brechas pra dar "jeitinhos" e criar "macetes". Mas eu to aprendendo! não dá pra ser do meu jeito, mas tem que ter um jeito. Sou brasileira po! E também sou aquariana! Ainda bem que não sou taurina ou libriano, se não já ia apelar pra teimosia! por enquanto to apenas tentando a humildade, o saber que não sei e que não sei de verdade, não um não sei por estar confusa com o que sabe e não estar calma e plenamente consciente pra por as coisas nos seus lugares e achar um sentido. É foda quando a gente percebe que está agindo como aqueles que a gente condena, no caso, com arrogância do diploma universitário, e olha que eu ainda nem tenho esse troço! Nem acho que a minha arrogância venha daí, é mais de mim mesma, com ou sem diploma me falta humildade e liberdade de mim. Nessas horas eu lembro do Lobo da Estepe, do Hermann Hesse. Eu enrolei uns quatro meses ou mais pra terminar de ler esse livro e ultimamente ele tem feito bastante sentido pra mim....mas isso é outra estória. Por hoje chega, já tá ficando chato e tá frio, meus dedos estão duros.
se você prometer não me ligar no dia seguinte
eu posso voltar a te encontrar
se comprometer a me esquecer
transforma a lembrança do meu cheiro em mais uma dose de fortim
ou conhaque pra curar a ressaca
eu não tenho nada planejado dessa vez
alguma coisa no sorriso de alguns caras
me levam a lugares desconhecidos de mim mesma.
se você me procurar eu vou fujir.
se você me ligar eu vou abaixar o tom de voz e
vou dizer que não
escrevo
entrelinhas travadas
o perfume e a loucura
eu to procurando um motivo
pra não sentir
tuas mãos 
no meu corpo
buscando motivo pra me encaixar
eu aqui
usando palavras
barricadas
mandei mensagem no celular
você sabe
confusão não é desculpa
é culpa
confessa
se não sente...
já disse que quero ser tua amiga
mas
amigos não cancelam cervejas num feriado
grande merda essas palavras com ponto final.

Sofia


A lua, rua, neblina em dezembro. 
A cara de Dona Sofia: distância no olhar e pinta de superioridade.
Ela quer saber, ela quer saber de todas as coisas. 
Não é apenas uma questão de informação, não. 
Ação-reagente-reação.
Ela quer saber o porque as pessoas se unem, se olham, se beijam, se amam, se juntam, se constroem e acabam.  Ela abre bem os seus olhos, persegue cada gesto,  palavra, som
Ela não sabe
Não sabe resolver a equação que se movimenta nos olhos apressados em busca de consolo, atenção. 
Não tem segredo, mas ela não vai deixar de procurá-lo.
Não tem mistério, mas ela vai inventá-lo.
Existe algo em ser humano que não sai da sua cabeça. 
Existe algo em crescer, em saber que existe dor pelo caminho e que não é permitido parar
Continua.
Não pode sair se mostrando quando esta vazia. 
E ainda assim, é incapaz de desaparecer. 
Ela que não cria metáforas, se esconde simplesmente.
Mente.
Poder e culpa, caminhando lado a lado, braços dados, passeiam na praça, olham para o jardim. 
Conceitos.
Sofia entende:  Deus é o cara que deu nome as coisas.
A terra gira. O sangue circula. Palavra é ação e caminhar é vida.