Roteiro e direção de Klber Felix - o Birigui.
Conheço esse cara faz uns quatro anos. Um tempo considerável de conversas em mesas de boteco solitárias, doses de conhaque pela rua e planos, muitos planos de abraçar o mundo com aquilo que a gente sabe fazer: expressar sentimentos e inventar histórias. Contos, narrativas, poesias daquilo que a gente vive aqui, experiências do nosso tempo, juventude 2000, almas periféricas. É nóis tudo contra esse mundo de valores avessos ao prazer, contra essa máquina repressora e a favor do nosso caminho.
O Kleber tinha ido embora pra Rio Preto, viver outras experiências, sem fugir muito desse mundo da juventude 2000, universitários e o caralho que tem por aí e por aqui. Ele continua na luta, vendendo seus pocket books quase autobiográficos sabendo cada vez mais qual o seu caminho ou não, mas sabe que nunca vai parar na pista.
A gente sempre planejou fazer alguma coisa juntos. Eu não sei bem qual é a minha: escrevo, atuo, malabarizo, danço e agora tenho uma câmera. E o Birigui tinha uma peça e teatro escrita, aliás, várias. Vivia me oferecendo essas peças: "vamos montar Taianna, você vai ver, vai ser legal". Dessa vez eu disse sim, mas não como peça e sim como o roteiro de um filme.
Conta a história de dois amigos que moram juntos, Pedro e Ricardo.O Pedro perdeu a namorada. Já o outro nunca se apaixonou, só pensa em curtição. O tempo em que acontece o filme é depois da morte da mina do Pedro. Esse cara sofre de tristeza e culpa pelo que se passou e nunca saí de casa. Enquanto o outro se diverte pela rua, aproveita a vida como se nada tivesse acontecido e relembra os velhos tempos tentando animar o amigo. Acontece que esse cara feliz se apaixona pela mina do cara que matou a Paula. O assassino saí da cadeia e ameaça matar o Ricardo. É a oportunidade que Pedro esperava de se livrar da culpa , tentando ser heróis mais uma vez salvando Ricardo. Como uma prova de amor e amizade, Pedro saí preparado pra briga e acaba morto. É esse o enredo da história.
A gente só precisava de dois atores. Mas eu e o Birigui não somos muito socializados com o pessoal das artes cênicas daqui. E fazemos as coisas por nós mesmos, com gente que a gente confia e gosta. Nada de anormal né, a arte tem que ser feita por quem sente. E a gente tem a sorte de conhecer gente com atitude e vontade. Gente como a gente, que busca e sente.
Foi aí que surgiu os planos com os guri da Ment'Ativa - os mano de Corumbá. Um cara que faz ritimo e som com as palavras, que solta a voz e o verbo do jeito que eles chegam na mente, eclodindo, vibrando com aquilo que vive e pensa, planta e medita . E tem o outro que faz a mesma coisa, mas ele usa pra isso o som das cordas, sentimento punk pulsando nas veias. Eles formam a banda e vão encontrando gente pra somar no som original. Faça você mesmo. Mesmo sem os recursos eles vão fazendo seu som com qualidade e tesão. É Rock é Rap é Punk é Psicodélico e é Ação.Um elo que se sente de longe. Eram eles, dois irmãos da rua. Um tranquilo , sorriso aberto, fala pouco e toca muito. O outro, toca o terror, fala muito e agita o tempo e o espaço. O pior é que eles tinham brigado uns dias antes da proposta do filme. E brigado feio. Nada melhor do que criação, experiência e vivência pra uni-los de novo. E deu certo. Eles aceitaram o convite e foram ficando na paz um com o outro. A gente ficou uma semana e meia ensaiando. O Birigui "treinando" seus atores e eu viajando nos planos de imagem e fotografia. Depois mais uma semana filmando e editando.
Um trampo do caralho! O Birigui tinha seus planos - o roteiro, mas a gente escolheu como personagem principal um cara que trabalha com free style. Ele não decorava o texto de jeito nenhum. Ou se decorava não sentia, não fazia sentido nenhum aquelas palavras. Mas ele era o cara que a gente queria pra fazer o personagem Ricardo - o sarrista. Então a gente teve que trabalhar. E o Kleber, o diretor, teve que desapegar do seu texto, permitir que as palavras se moldassem ao ritmo desses caras. Daí a coisa foi se tornando cada vez mais verdadeira. A dedicação foi intensa. A convivência e a confiança caminharam juntas. Teve também a Marcella, a mina que cedeu a casa e o espaço pra gente gravar, ela atuou no filme também. No começo a gente achava que a participação dela seria tipo de figurante, mas ela foi a Paula- o motivo de toda a história do filme, papel quase principal!
E foi louco porque são todos "não atores" e nós "não diretores". Só o que a gente tinha era um roteiro e uma trilha, música da Ment'Ativa que a gente sacou que tinha tudo a ver com os sentimentos que o filme queria passar, intuitivamente. E foi tudo criado junto, um processo altamente coletivo de troca de idéias e vida.
Agora a gente tem um filme. Um curta de 18 minutos, quase 19 (seria um média?). Feito com uma camera digital e uma equipe de cinco pessoas apoiadas pelos amigos, pelo Hélio do Ferro Velho, o tiozinho seu Laudir - dono do bar; o primo de um dos atores que ajudou na gravação da trilha sonora, meu pai que emprestou umas lampadas de jardim que salvaram a gente e todo mundo que mentalizou energias positivas!
Agora é domingo. Teve a pré-estréia (a estréia de fato vai ser em Corumbá, acho que no Cineclube de lá). Choveu pra caralho. Deixou uma ar de chuva de domingo, aquela preguiça e uma névoa no céu. As ruas todas molhadas, o clima meio amarrado. Acabou com umas dez pessoas de público, lá mesmo na casa da Marcella, público pequeno mas eram os nossos brothers mesmo!
Esquizita essa sensação final. A chuva tá dando o tom de finalização e ao memso tempo recomeço. O cinema tem esse lance de ter um produto final fechado, um dvd pronto pra ser divulgado, mas quem assiste não sente todo o processo como a gente sentiu e viveu. Normal né. Massa é que se pode ter esse tal "produto final" e ver e rever e cada nova olhada um novo sentir, não é não? Eu bem sei disso, já vi tantas vezes aquelas imagens! Dá vontade de fazer tudo de novo e melhor. Mas já foi e o que eu tenho a dizer na verdade é: Valeu Galera! A Culpa Foi Nossa! Agora tem que assumir! Esse é só o primeiro!
3 comentários:
po mina, se fez meu peito quase gritar agora. Experiência do caralho. Conta comigo, avante!
Pode Crer Má! ao infinito e ainda mais longe!
a sempre boa culpa...
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